Nós do Fórum Permanente dos Servidores Públicos do Estado do Rio de Janeiro (FOSPERJ) nos manifestamos, publicamente, diante da ausência de diálogo por parte do secretário estadual de educação, Pedro Fernandes (PSC), para com as instituições e demais profissionais da educação do estado do Rio de Janeiro. Pedro Fernandes está à frente da Secretaria de Estado de Educação (SEEDUC) do governo de Wilson Witzel (PSC).
Alguns elementos da movimentada trajetória política do atual secretário de educação do estado do Rio de Janeiro merecem destaque. De 2003 até o presente momento, Pedro Fernandes trocou de partido quatro vezes, transitando em diferentes cargos públicos no percurso de diferentes governos (municipal e estadual), passando por partidos como DEM (2003-2009), MDB (2009-2013), Solidariedade (2013-2016) e MDB (2016-2018), PDT (2018) e PSC (2019-até o momento). Na vida ligada ao Poder Legislativo, foi eleito três vezes como deputado estadual em diferentes partidos (em 2006 pelo PFL, em 2010 pelo PMDB e em 2014 pelo Solidariedade).
Sua atuação junto ao Poder Executivo se dividiu entre cargos na prefeitura e no governo do estado (em 2008, a frente da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMAC); em 2014 (de fevereiro a abril) e em 2017 (janeiro a fevereiro), a frente da Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos (SEASDH); em 2017 (de fevereiro a julho), a frente da Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia, Inovação e Desenvolvimento Social (SECTIDS); de outubro de 2017 à abril de 2018, a frente da Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos (SMASDH); de 2019 até o presente momento, a frente da Secretaria de Estado de Educação (SEEDUC).
Além de todos estes cargos públicos, em 2008, Pedro Fernandes foi candidato a vice-prefeito numa chapa encabeçada por Solange Amaral (DEM), derrotada nas eleições municipais; em 2018, quando ainda pertencia aos quadros do MDB, tentou articular uma pré-candidatura ao governo do estado do Rio de Janeiro pelo Solidariedade, sendo impedido pela Executiva nacional do partido, fato que o levaria a deixar o MDB e se filiar ao PDT, onde concorreu as eleições de 2018 como postulante a governador. Quando fracassada a tentativa pelo PDT, sendo derrotado ainda no primeiro turno, decide apoiar Wilson Witzel (PSC), indo contra a recomendação do partido em apoiar Eduardo Paz (DEM) no segundo turno, processo esse, que levará a sua desfiliação do PDT, ainda em 2018. Convocado por Witzel a assumir a Secretaria de Estado de Educação (SEEDUC), se filia ao PSC, onde permanece até o momento como secretário de educação.
Importante falarmos da trajetória política de Pedro Fernandes, pois a falta de compromisso com os partidos e com os próprios cargos públicos que ocupou, pode nos servir também para entendermos o tratamento dado pelo secretário aos profissionais da educação e com suas respectivas instituições representativas, naquilo que já salta aos olhos de todos e todas, qual seja, a impossibilidade de aplicação, à toque de caixa, do modelo de Educação à Distância (EAD) na rede pública da educação do estado do Rio de Janeiro, como prerrogativa para sua substituição ao sistema público que se realiza a partir da escola, do professor e, portanto, da educação presencial.
Mesmo notificado pelo Ministério Público, e, sugerida ainda por este órgão, a imediata retirada da Plataforma da rede virtual, além de recomendada necessidade de prestar maiores esclarecimentos sobre o ocorrido, o secretário de educação segue insistindo, intransigentemente, pela utilização da mesma.
A nota de esclarecimento da 2ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Proteção à Educação da Capital destaca a necessidade de cumprimento de requisitos para a execução do regime especial domiciliar. A referida nota ressalta, ainda, a necessidade de um Plano de Ação Pedagógica e o cumprimento daquilo que está explicitado nos artigos 2º e 5º da Deliberação do CEE-RJ nº376/2020, “cujo cumprimento precisa ser efetivamente demonstrado tanto pela rede pública estadual quanto pelas unidades escolares da rede privada”. Destaca, também, que as atividades não-presenciais, sem a apresentação formal do Plano de Ação Pedagógica, “não poderão ser computadas como dias e horas letivos (art. 24, I, da LDB), podendo ser consideradas, contudo, como atividades meramente complementares e de estímulo intelectual dos alunos”. Por fim, explicita a necessidade de que a SEEDUC e as escolas privadas, submetidas à sua fiscalização, “deverão comprovar a efetiva existência de condições materiais e tecnológicas colocadas à tanto do corpo docente quanto do corpo discente, de modo a assegurar a universalidade, a equidade e a qualidade do atendimento escolar (art. 206 da CF)”.
Importante ressaltar que o PL 2036/2020, que dita sobre Educação à Distância, foi retirado da pauta da Alerj recentemente, justamente pela necessidade de maiores entendimentos a respeito do tema. Mas contrariando a tudo e a todos, o secretário vem insistindo e atropelando medidas tomadas com mais responsabilidade.
Em tempo, o debate que gira em torno do tema da educação à distância (EAD) é muito mais antigo e complexo, estando inseridos neste debate não só as suas especificações técnicas, naquilo que diz respeito à sua devida implementação, mas também questões econômicas, políticas, culturais, sociais e ideológicas.
Do ponto de vista econômico, está em jogo o grande potencial de mercado proporcionado pela EAD e perseguido pelos empresários do setor da educação, estes últimos, os mesmos que enxergam o momento de excepcionalidade, oportunisticamente, como o mais ideal para levar a cabo a concretização de suas ideias. A grande pressão da rede privada de ensino também contribui para as escolhas e decisões mais impulsivas, a exemplo do que pratica o secretário de educação. A pressão da rede privada de ensino se deve também a possibilidade de redução das mensalidades como receita para atenuar a crise sanitária.
Do ponto de vista político, as medidas que visam a acelerar o processo de implementação da EAD, revelam uma ambição ainda maior, aquela que expõe necessidades opostas por parte do mercado e da democracia, aquela que opõe a necessidade de um Estado social, provedor de serviços básicos essenciais à população, por um lado, e, por outro, a que desenha um Estado endividado fagocitador do antigo Estado social, a partir de seguidos ajustes fiscais. Do ponto de vista político também se torna imperativa a diferenciação entre um modelo de “educação estatal” e o que representa, de fato, a “educação pública”. Em linhas gerais, um dado modelo de educação estatal representa um conjunto de intensões do governo que está à frente do aparato de Estado num dado período; por outro lado, o modelo de educação pública consagra o direito universal e irrestrito de cada cidadão, aquilo que está previsto em nossa constituição, o caráter público de nossa educação, e, portanto, a possibilidade de que todos possam ter acesso à educação, independentemente das intensões dos governos que estão à frente do exercício da administração pública de um dado momento.
Do ponto de vista social, todas as transformações tecnológicas provocadas pelo surgimento do meio técnico-científico-informacional em meados de 1970 nos revelam um verdadeiro mapa da desigualdade social quando o critério é o da acessibilidade, tanto por parte do corpo discente como do corpo docente.
Aqui também podem ser inscritos os diferentes anseios das redes de ensino pública e privada diante da possibilidade de implementação da EAD. A rede pública, por respeitar aquilo que está consagrado na constituição, está preocupada com a acessibilidade e, portanto, com a universalização da educação ao conjunto de indivíduos da nação, uma educação laica, gratuita e socialmente referenciada, ou seja, uma educação que visa a preparação e/ou formação dos indivíduos, para além de sua inserção, totalmente mecânica e acrítica, no mercado. A rede privada, por atender a forte concorrência estabelecida pelo mercado, visa a lucratividade e, portanto, a redução dos custos naquilo que diz respeito a implementação dos modelos, contribuindo para a acelerada precarização do trabalho decente e da péssima qualidade do ensino ofertada à população.
Os resultados mais imediatos da precarização dos profissionais da educação já sabemos quais são: conteudismo, produtivismo, aumento do assédio moral e medidas descabidas como a antecipação de férias, negando um direito básico daqueles que atuam nas redes da educação.
Deixamos por último os pontos de vista cultural e ideológico, estes muito caros aos profissionais da educação de ambas as redes, pública e privada, especialmente em tempos tão turbulentos como os que estamos vivendo, marcados, sobretudo, pelo ascenso do conservadorismo em relação ao papel que tem a educação, a escola e os profissionais da educação das diferentes sociedades ocidentais.
Fruto de uma visão puramente instrumentalista e acrítica, culturalmente pensada, a EAD é inserida num debate que parece não se restringir as formas e/ou implementação de modelos, mas a um projeto de sociedade que estabelece o movimento pela desescolarização nas sociedades ocidentais, cujo papel da escola e do professor é secundarizado no processo de ensino/aprendizagem, a partir do Unschooling (negação da escola) e do Homeeschooling (educação domiciliar). De profissionais respeitados pelo conjunto da sociedade, os profissionais da educação passaram a ser questionados no que diz respeito ao seu ofício, sendo, inclusive, colocados como inimigos da sociedade.
Era só o que nos faltava, um país com a diversidade cultural, política, econômica e social como o Brasil, cuja a ciência, mas, sobretudo, a educação, aquela mesma desenhada para ser um projeto de universalização do conhecimento, ter que provar para o mundo, a partir da árdua missão que é dada aos seus profissionais, a importância das nossas convicções e o nosso próprio destino. Por todos os motivos colocados acima, se torna de fundamental importância a abertura do debate e do diálogo com os profissionais da educação.